Resenha: A Biblioteca da Meia Noite
Este é um texto referente a minha experiência de leitura e pode conter spoilers.
“A única maneira de aprender é vivendo”.
O livro nos traz a história de Nora, uma mulher de 35 anos que vivia com a culpa de suas escolhas. Sua vida era completa de arrependimentos e medos. E no momento em que Voltaire, seu gato, morre, sente que não tem mais sentido continuar viva e decide que vai morrer.
Ao decidir sua morte ela imagina que assim seria a melhor maneira de tirar todo aquele sofrimento que sentia. Entendia que parar de sentir seria melhor solução. E ao tomar super dosagem de sua medicação desacorda e acorda em uma biblioteca.
A Biblioteca da Meia noite em si, no nosso primeiro contato, nos faz perguntar se ela morreu e se aquele lugar em que ela acordou seria um tipo de “pós morte”. Então temos a definição de que: ela não está viva nem morta.
“Entre a vida e a morte, há uma biblioteca- disse ela- E, dentro dessa biblioteca, as prateleiras não tem fim. Cada livro oferece uma oportunidade de experimentar outra vida que você poderia ter vivido. De ver como as outras coisas seriam se tivesse feito outras escolhas... Você teria feito algo diferente, se houvesse a chance de desfazer tudo de que se arrepende?”
E com o passar da história o autor nos imersa na Teoria dos Multiversos de maneira tão sutil que não é preciso sabedoria de termos da física quântica para entender e se imergir.
Mas o que eu quero trazer aqui foge um pouco da física e da pitada de ficção científica, por mais que eu tenha amado cada detalhe disso. Eu quero falar de Nora, de seus sentimentos e do que ela me fez sentir com sua história.
"... ela desejou que houvesse apenas portas à sua frente, para que pudesse atravessá-las uma a uma, deixando tudo para trás."
Nora em muitos momentos me fez lembrar a mim mesma. Nos momentos em que havia se perdido entre perdas e traumas, entre solidão e automático.
A personagem criada por Matt Haig em “A Biblioteca da Meia Noite” me fez sentir suas dores, sua perda de vontade de viver, sua vontade de morrer, sua desesperança. Fez eu me emocionar em diversos momentos ao se culpar de tantas maneiras cruéis, e entender a imensa angústia ao se deparar com seus arrependimentos, revivê-los, e se questionar como teria sido diferente se ela tivesse tomado outras decisões, se tivesse feito outras escolhas.
E aí, acredito eu, que muitas pessoas também em algum determinado momento da vida fazem essa mesma pergunta: como seria se eu tivesse feito outras escolhas? Mas diferente de Nora, não temos a chance de escolher qual livro e qual história queremos viver, não temos a oportunidade de vivenciar outras versões de nossas vidas se tivéssemos feito escolhas diferentes.
Aceitar que não temos como saber se nossas escolhas foram certas, se o caminho que a gente escolheu trilhar é o melhor, e que o “e se” não tem resposta, muitas vezes é extremamente angustiante, mas a aceitação é um processo necessário.
O “livro dos arrependimentos” de Nora é enorme, dividido por fases da sua vida, com algumas fases maiores e outras menores. É pesado, assim como os seus sentimentos: sua angústia é pesada, sua dor é pesada, sua culpa é pesada. E de tão pesado se torna muito intenso, e é como se ela andasse a sua vida inteira carregando um livro pesado nas costas e esse livro só aumentasse. Tem uma hora que fica insuportável.
“Então, Nora, sentindo como se estivesse prestes a desmaiar, sentou-se de novo e colocou a mão sob a capa. Parecia ainda mais pesada agora, mas ela conseguiu fechar o livro e suspirou um alívio.”
A vontade de quem sente esse peso nas costas é conseguir tirá-lo, enterrar esse livro em algum lugar para não precisar lidar com aquela dor. Mas, agora falando como alguém que já tentou isso, ele sempre volta para as nossas costas. Não da pra fugir para sempre, não da pra só jogá-lo para longe e fingir que nunca existiu, é preciso lê-lo.
E mais do que ler, é preciso ler com autocuidado, respeitando os limites. E esse movimento é doloroso, assim como foi para a nossa personagem. Mas ao vivenciar outras possíveis vidas, ela começou a vivenciar seus arrependimentos e eles foram desaparecendo do livro.
“Ela aprendeu que reverter arrependimentos era realmente um jeito de fazer desejos se concretizarem”.
Muitas vezes desapareceram por ela “deixar sentir”, outras por ela conseguir olhar para aquilo num outro ângulo, de uma outra forma. Alguns desapareceram ao ela entender que não estava sob o controle dela, e muitos eram culpas cruéis que ela carregava sem necessariamente precisar carregar.
“Viu? Às vezes, os arrependimentos não são baseados em fatos. Às vezes, os arrependimentos são apenas... – Ela procurou a expressão apropriada e a encontrou – O maior papo-furado.”
Tudo isso nos traz um aprendizado muito importante, que inclusive nos deparamos por diversas vezes ao longo da leitura: “A única maneira de aprender é vivendo”.
Viver traz a consequência de também viver dores e tristeza, mas deixar de viver não nos permite vivenciar as alegrias.
“Ela ficou imaginando agora como seria se aceitar incondicionalmente. Cada erro que já havia cometido na vida. Cada marca em seu corpo. Cada sonho não realizado ou cada dor sentida. Cada anseio ou desejo reprimido. Ela imaginou se vendo como apenas mais uma genial aberração da natureza. Como um animal senciente qualquer, dando o melhor de si. E, ao fazer isso, ela imaginou como era ser livre”.
Nora pôde visitar diversas versões de suas vidas, das mais diferentes possíveis, e ao se deparar com uma em que sentia que poderia ser viver, no sentido mais amplo, incluindo tristezas e dores, percebeu que ela tinha desejos e que queria realiza-los, construir uma história, recomeçar.
“É uma revelação e tanto descobrir que o lugar para onde você quis fugir é exatamente o mesmo lugar de onde fugiu. Que a prisão não era o lugar, mas a perspectiva. E a descoberta mais peculiar que Nora fez foi que, de todas as variações extremamente divergentes de si mesma que ela havia vivenciado, o senso de mudança mais radical aconteceu dentro da mesma vida.”
Ela teve a oportunidade de ter em mãos um livro aberto para escrever a sua história. E você, com um livro em branco e uma caneta nas mãos, qual história gostaria de escrever para a sua vida?
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